Caso ocorra esvaziamento do
patrimônio do devedor em ofensa ao princípio da boa-fé, a impenhorabilidade do
imóvel ocupado pela família pode ser afastada. A Terceira Turma do STJ adotou
essa posição em recurso movido por sócio de uma construtora contra julgado do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). A Turma, de forma unânime, negou
o recurso do sócio.
O recurso refere-se à ação
de execução ajuizada em 1995 por consumidor que entrou num plano de aquisição
de imóvel ainda na planta, a ser construído pela empresa. Porém, mesmo após o
pagamento de parte substancial do valor do apartamento, as obras não foram
iniciadas. Verificou-se que a construtora havia alienado seu patrimônio e não
teria como cumprir o contrato. Em 2011, foi pedida a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa, de modo que a obrigação pudesse ser cumprida
com o patrimônio pessoal dos sócios.
Após a desconsideração, o
imóvel residencial de um dos sócios foi penhorado. Essa penhora foi impugnada
pelo empresário sob o argumento que se trata de bem de família, único que teria
para residir. Entretanto, o TJRJ considerou que houve esvaziamento patrimonial,
com a intenção de evitar a quitação do débito. Também considerou que a parte
não conseguiu afastar a presunção de fraude à execução.
Princípio da boa-fé :
Houve então o recurso ao
STJ, com a alegação de ofensa ao artigo 3º da Lei 8.009/90, que estabelece ser
impenhorável o bem de família. Segundo a defesa, o artigo estende a
impenhorabilidade contra débitos trabalhistas, fiscais e de execução civil.
Também invocou o artigo 593 do Código de Processo Civil (CPC), que define a
alienação ou oneração de bens como fraude de execução se há ação pendente sobre
eles.
Todavia, a relatora do
processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que nenhuma norma do sistema
jurídico pode ser entendida apartada do princípio da boa-fé. “Permitir que uma
clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposição legal protetiva
implica, ao mesmo tempo, promover injustiça na situação concreta e enfraquecer,
de maneira global, o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador”,
afirmou. Ela destacou que o consumidor tentou adquirir sua moradia de boa-fé e,
mais de 15 anos depois, ainda não havia recuperado o valor investido.
Nancy Andrighi também observou
que, segundo os autos, o consumidor estaria inadimplente e correndo risco de
perder o imóvel em que reside com sua família. “Há, portanto o interesse de
duas famílias em conflito, não sendo razoável que se proteja a do devedor que
vem obrando contra o direito, de má-fé”, asseverou. Para a ministra, quando o
sócio da construtora alienou seus bens, exceto o imóvel em que residia, durante
o curso do processo, houve não só fraude à execução mas também à Lei 8.009/90.
Na visão da magistrada, houve abuso do direito, que deve ser reprimido.
Por fim, ela refutou o
argumento de que as alienações ocorreram antes do decreto de desconsideração da
personalidade jurídica e, portanto, seriam legais. A ministra apontou que,
desde o processo de conhecimento, a desconsideração já fora deferida e o
patrimônio pessoal do sócio já estava vinculado à satisfação do crédito do
consumidor.
Fonte: Superior Tribunal de
Justiça-Jornal da OAB/SC.
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